Estou para dizer que quem já desceu a Ladeira Porto Geral em vésperas de feriado não precisa mais vir a Istambul. Meu voo chegou de madrugada no aeroporto Internacional Tartürk e para minha felicidade lá estava um senhor com uma plaquinha com meu nome na saída de passageiros. Aprendi que isso, na (grande) maioria dos casos, não é um luxo, mas sim uma necessidade para quem passa horas a fio espremido numa classe econômica, ouvindo berros de crianças a noite toda. Não há coisa mais bem paga!
A partir daquela hora, esqueço meu alemão e volto a tirar meu inglês do fundo do baú. Adiantei uma hora no meu relógio que ainda mostrava o horário da Alemanha e respirei o ar quente da madrugada. Pelo relógio do carro, a temperatura batia os 25 graus. "Prefere que ligue o ar condicionado ou abro as janelas?"Optei pelo primeiro, certo de que o ar quente externo jamais traria qualquer alívio. Saí de Berlin sob um vento frio de uns 15 graus, mas o motorista - turco, claro - já me adiantara o que eu iria enfrentar no seu país natal. Exagerou nos 35 graus.
Como de noite todos os gatos são pardos, não dei muita importância aos arredores malcuidados da ex-Constantinopla. Desembarquei na portaria do Hotel Black Bird, no bairro de Fatih. Ainda bem que a noite esconde defeitos, mas não escondeu os do quarto malcheiroso que me deram para aquele resto de noite. O cansaço me fez ignorar até duas goteiras que embalaram meu sono. Dei de ombros, afinal a promessa era de troca de quarto poucas horas depois, o que realmente aconteceu.
Se a primeira impressão é a que fica, pobre Constantinopla… Dormi tão pesadamente que nem sequer ouvi o chamado do Imã para as primeiras orações do dia por volta das 6 da manhã. Um misto de lamento com babalu-em-turco, este amável convite da autoridade máxima das mesquitas muçulmanas se repete num intervalo de menos de 3 horas. É exótico, mas enfurece quem quer preservar seu sono matinal. Com o passar dos dias, o turista - e a rigor a maioria dos turcos - ignora a cantoria do Imã.
Como explicou meu colega turco Mehmet, assim como acontece com os cristãos, nem todo muçulmano segue à risca os preceitos do Alcorão, que recomenda (pu manda) que se reze 5 vezes por dia voltado para a Meca. Istanbul talvez seja uma das cidades muçulmanas mais liberais neste quesito. Mas, mesmo assim, é absolutamente maior o numero de mulheres que usam, se não apenas o veu, mas também toda a vestimenta que lhes deixa a mostra apenas parte do rosto, mãos e pés, como manda o figurino tradicional. Como me recomendaram, convém não olhá-las diretamente e nem fotografá-las…
MAÇULMANO FAKE
Na manhã daquele mesmo dia, e depois de receber um quarto razoável ( definitivamente, o ar-condicionado não vence o calor!), decido explorar os arredores. Por via das dúvidas, pego na recepção um cartao de visitas do hotel, com várias palavras em turco, que presumi ser o endereço do Black Bird. O profeta que me proteja! A cerca de 100 metros, vejo a primeira do que seria uma miríade de mesquitas. Esta, que passou a ser meu ponto de referência, é a Shehazad Camii ( depois soube que Shehazad significa princesa).
As mesquitas são realmente imponentes em sua arquitetura otomana. Cúpulas gigantescas, arcos imensos, mosaicos belíssimos deixam qualquer um de boca aberta. Eu, inclusive. Não tem a riqueza ostensiva dos templos católicos, mas a simplicidade e a imensidão do tetos são impressionantes. Estava eu admirando tudo isso, quando deu a hora de mais uma oração. Chegaram alguns apressados, que - como é obrigatório - também deixaram seus sapatos na porta e devem ter lavado face, orelhas, nariz, braços e pernas numa das várias torneirinhas que já compõem o ambiente das mesquitas.Este ritual eu dispensei.
Quando dei por mim, estava entre os fieis. Não havia muito mais o que fazer, senão repetir os que eles faziam e torcer para que a coreografia não se complicasse. Curvei o tronco, com as mãos na altura da barriga, imitando meus companheiros de reza, me ajoelhei e - em seguida - lá estava eu naquela posição em que Napoleão perdeu a Guerra: testa no chão e bunda pra cima. Nem lembrei que eu poderia estar ridículo, tentando me passar por turco, sem ter aquela cor de pele, nem nariz adunco e muito menos aquele traseiro avantajado…
O biotipo do turco comum é esse mesmo, moreno, atarracado, cabelos negros, com algumas exceções, como o Mehmet, que é branco e não tem narigão. Estudante de engenharia,meu cicerone por um dia deve sua cor clara à mãe que tem origem russa, embora o pai seja turco da gema. Nos seus 20 anos, o rapaz de ideais pacifistas tem como lema o respeito a todas as religiões. Mas, o profeta é o seu guia. Graças a este bom-mocismo aceitei o seu convite para acompanhá-lo em uma visita a Mesquita Azul e a um bar típico com um terraço oferecendo uma vista em cinemascope da cidade.