Preciso dizer que estou adorando a vida em San Diego. Com certeza, algum teórico já deve ter descoberto antes de mim que um cérebro mais vivido demora mais tempo para se adaptar às novas situações. Como um objeto recém-comprado que precisa de um certo tempo para se amalgamar ao ambiente. Quantas vezes adquiri alguma coisa para casa que de início me pareceu inadequado, mas que um dia depois ele me pareceu ter sido criado para ficar ali. Este estranhamento inicial me levou a ver a cidade com os olhos de quem vê Berlim. Nada mais errado. Culturas, meio e fins totalmente distintos.
San Diego, diz uma reportagem da Forbes, é o quinto melhor lugar para se viver nos EUA, é a quinta cidade mais rica do país e está entre as 10 mais seguras América do Tio Sam. É cercada por 70 milhas de praias, muitas delas de areia fininha e outras com pequenas baías entre falésias altíssimas.
O povo é uma mistura de mexicanos, militares, estudantes, surfistas, gente muito rica em casarões cinematográficos de La Jolla, hippies e neo-hippies que habitam uma região de Ocean Beach. O centro da cidade, Downtown, tem as calçadas mais limpas que já vi. É nessa região que estão os arranhacéus moderníssimos e de bom gosto, cujo conjunto, visto da ilha de Coronado, virou cartão-postal da cidade. Sem contar que que o deserto está logo ali no quintal!
Como toda cidade de país desenvolvido o conceito de bom ou ruim em relação à qualidade de vida passa por entendimentos que não contemplam as nossas carências de país em desenvolvimento. E, por mais que se viaje leia ou teorize, na hora do vamos ver o modelo subdesenvolvido emerge. Sempre que pergunto qual o bairro melhor ou o pior para se morar, alguém diz que lugar é ruim quando o transporte público está a mais de três quadras da casa ou se nesta mesma distância não há supermercados, um restaurante, uma farmácia. Então, sem medo, está fora de cogitação um lugar com ruas sem asfalto, calçadas esburacadas, postes sem iluminação e esquinas baldias cobertas de lixo.
Para quem já passou deste estágio, há dinheiro de sobra para cuidar de outras questões. Nunca tinha visto circulando por uma cidade tantos cadeirantes, ou pessoas com andador. Curioso também é que ninguém, em nenhuma situação cotidiana, ajuda estes "discapacitados"a subir ou descer de um ônibus! Deve haver um acordo tácito entre as partes. Como me locomovo pela cidade em transporte público, posso afirmar que 80% das minhas viagens acontecem com a presença de alguém em cadeira de rodas, elétricas, claro. Alguns já reconheço, de tanto vê-los.
Os ônibus, além de incorporarem um sistema que os fazem "adernar", que nem barcos, para ajudar os passageiros a embarcar, têm os primeiros bancos atrás do motorista reservados e adaptados para receber os cadeirantes. Pois, assim que o motorista ver um deles num ponto, faz baixar uma plataforma, que parece uma língua, pela qual entra o "discapacitado". Os bancos são levantados e a cadeira é fixada por correias pelo próprio motorista, que não demonstra qualquer sinal de impaciência ou má-vontade, longe de parecerem com os que trabalham na linha Praça da Sé-Vila Brasilândia.
Assim como não movem um dedo para ajudar estas pessoas, os passageiros também parecem dispor de todo o tempo do mundo para aguardar o desfecho de todo aquele processo. Uns lêem, outros teclam nos seus smartphones e outros simplesmente jogam o olhar perdido pela janela. Tento fazer o mesmo, mas minha curiosidade fala mais forte.
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